Blog 100 História : Escravos europeus

Escravos europeus

Parece bizarro imaginar que Finlândia e Suíça, que hoje estão entre os países com a melhor qualidade de vida no planeta, sofreram com escravidão em suas histórias recentes. Enquanto os finlandeses foram tratados como mercadoria no Mar Negro, entre os séculos XII e XVIII, a Suiça foi manchada por ter feito a prática com seu próprio povo. E isso até, pelo menos, 35 anos atrás.

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Antes ainda que o horror da escravidão negra deixasse suas feridas profundas na História, a migração forçada de pessoas para trabalho escravo era uma realidade que assombrava povos que, hoje, passam longe do que poderíamos imaginar sendo explorados.
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Os egípcios da Antiguidade escravizaram os judeus, enquanto os Romanos escravizavam pobres, bárbaros e criminosos, muitas vezes sem distinção étnica (entre os séculos I e V, a maioria dos escravos eram nascidos na Itália). Depois da queda do Império Romano, foi mais uma questão de cristãos contra muçulmanos: uns escravizando os outros, de acordo com o domínio que possuíam. Não é por acaso que muitos extremistas do Estado Islâmico defendam atualmente a escravidão dos “infiéis”: não escapariam nem outros muçulmanos menos radicais.

Mas o tráfico humano da Crimeia tinha um foco diferente: a maioria dos escravos eram brancos originários da Ucrânia, Polônia e sul da Rússia. E, dentre eles, poucos eram homens trabalhadores. As pessoas exploradas eram crianças e mulheres destinadas ao serviço doméstico – o que, com frequência, incluía exploração sexual.

O Canato da Criméia se sustentava basicamente desse comércio, e tinha a preferência por mulheres e crianças que tivessem uma beleza exótica e, por consequência, mais valiosa. O mercado de lá valorizava negros da África Sub-Saariana e os povos circassianos do Cáucaso. Porém, a variedade mais cara e lucrativa era, de longe, crianças finlandesas entre 6 e 13 anos de idade. De preferência loiras e com olhos azuis, essas crianças eram compradas de contrabandistas no distrito de Karelia, ao sul da Finlândia, e revendidas por uma margem de lucro de até 133.000% no Mar Negro.

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Russos, tartares e persas costumavam montar inúmeras ofensivas à Finlândia com o propósito específico de capturar crianças para vendê-las no mercado. Na época, não havia um estado finlandês consolidado e, embora o território já tivesse quase todo se convertido ao cristianismo durante a Idade Média, uma grande parcela da população ainda era pagã. Com isso, eles não tinham proteção da Igreja e ainda eram tratados como compra potencial tanto para muçulmanos quanto cristãos. Para se ter uma ideia dos horrores que esses finlandeses enfrentavam, a estimativa era de que, pelo menos uma vez a cada 10 anos entre os séculos XIV e XVI, os vilarejos locais sofriam ataques em busca de escravos. Algumas famílias pagavam para recuperar seus parentes, mas a maioria não tinha dinheiro o suficiente. E as crianças capturadas jovens demais para caminhar eram abandonadas no gelo até a morte.

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Isso pode até parecer muito distante no tempo, mas no caso da rica Suíça, a prática se estendeu entre os séculos XIX e XX. As “Verdingkinders” (em português: crianças sob contrato) eram crianças tiradas de famílias pobres e de mães solteiras pelas autoridades, sob o pretexto de que elas não teriam condições de sobrevivência. Depois, os meninos e meninas eram vendidos a fazendeiros e fábricas, onde estariam condenados ao trabalho forçado. Não fosse o bastante, a maioria dessas crianças também sofria com espancamentos e abusos sexuais constantes. Isso foi uma realidade comum pelo menos até a década de 50.

O documentário Verdingkinder Reden (inédito no Brasil), de 2012, traz depoimentos de muitas dessas pessoas que tiveram sua infância negada. Estima-se que 100 mil crianças tenham sido escravizadas durante o período. O fim da prática veio apenas em 1981, com a adição de cláusulas à lei suíça afim de garantir que a privação de liberdade sob o propósito de assistência social se tornasse ilegal. No entanto, a mancha deixada na história do país foi tão forte, que até hoje o assunto é tratado como tabu – tanto por quem foi escravizado quando pelas autoridades. A Association for Stolen Children (Associação pelas Crianças Roubadas, em português) presidida por Walter Zwahlen, tem apenas 40 membros (mesmo com a estimativa de que 10 mil das crianças escravizadas ainda estejam vivas), e o primeiro pedido de desculpas oficial do país veio apenas em 2010, após um inquérito parlamentar que reconheceu como injusta a prisão de várias mulheres que eram “fugitivas” dos campos onde trabalhavam. Um projeto que visa compensar as vítimas escravizadas tramita desde 1999 no parlamento suíço. Mas, até o momento, nada foi definido.

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