ÊXODO x HISTÓRIA
Foto: Munir Chatack/Record - Portal R7 / Os Dez Mandamentos* |
O ÊXODO E A HISTÓRIA
Por conta da novela, e do filme de
Ridley Scott, o tema Êxodo, voltou a fazer parte do cotidiano das
pessoas. As opiniões vão desde o descrédito até a crença total.
Muitos acham que não ocorreu e muitos outros que aconteceu
exatamente como escrito na Bíblia.
Mas, dentre estes últimos, quando
afirmam a exatidão do relato bíblico, o fazem com as imagens dos
filmes na mente. Isso induz algumas perguntas: os filmes são fiéis
à Bíblia? A Bíblia tem respaldo histórico? O Êxodo aconteceu
mesmo? Ou não?
A epopéia do povo semita, que muito
tempo depois foi chamado de Hebreu, começou com a vinda de José,
vendido como escravo por seus próprios irmãos, segundo o relato
bíblico.
Por conta de seu dom de
interpretação de sonhos, José caiu nas graças do Faraó da época,
chegando a ocupar o posto de ministro do reino. Através de José,
seus familiares vieram, anos depois, e ganharam a permissão de se
instalarem em território egípcio, na região do delta do Nilo: :
“Assim
habitou Israel na terra do Egito, na terra de Gósen, e nela tomaram
possessão, e frutificaram, e multiplicaram-se muito”. (Gênesis
47:27)
Séculos depois, outros Faraós,
principalmente por razões militares, passaram a perseguir os
israelitas, cobrando-lhes impostos, promovendo massacres e
obrigando-os à servidão (Êxodo 1:8-22). A tradição aponta para
Seti I e Ramsés II como sendo estes faraós.
A situação só foi alterada quando
Moisés, um israelita criado na corte do Faraó pela filha deste,
tomou partido de seu povo e agiu de forma a libertá-lo, segundo a
Bíblia com a ajuda de Deus, através de eventos milagrosos.
O que há de verdade nisso? Os
estudiosos, em especial os que negam o acontecimento do Êxodo,
argumentam que não há um único registro sobre essa partida de
escravos do Egito, com exceção, claro, da Bíblia.
O próprio nome, Israel, só surge
na pedra conhecida como Estela de Merenptah: “...Israel está
destruído [ou devastado], a sua semente [ou descendência] não
existe mais...”1.
Merenptah foi o sucessor de Ramsés II.
Essa ausência de registros,
especialmente no Egito onde tudo era registrado, é um argumento
poderoso a favor dos que negam o Êxodo. Contudo, de nossa parte,
acreditamos que o evento ocorreu, embora seja necessário separar a
fantasia, e os exageros, da realidade. Esta é nossa demanda nesta
nova mini-série de textos.
http://seroword.com/reviews/exodus-gods-and-kings-film-review/ |
O Êxodo ocorreu? Muitos negam.
Outros acreditam piamente no relato bíblico. Não nos encaixamos em
nenhuma das duas vertentes. Também não acreditamos na subversão da
Natureza.
Para nós, aqueles eventos ocorreram
milimetricamente dentro das Leis Naturais, que são Leis de Deus. E
todos possuem uma explicação totalmente lógica. Pois a Verdade não
se afasta da lógica.
Isso não significa uma acusação
de falsidade ao texto, pois dois fatores devem ser considerados logo
de início: (1) o pensamento do homem da antiguidade atribuia os
acontecimentos naturais às suas divindades; (2) o Livro do Êxodo
foi compilado (e ampliado) somente vários séculos depois do
acontecimento, durante ou depois do cativeiro na Babilônia.
Apesar disso, admite-se que um grupo
de antigos semitas (que só foram chamados hebreus muito tempo
depois) teria se estabelecido no Egito sob dominação dos Hicsos,
durante a XV Dinastia.
O Faraó dessa época seria Apopi I
2,
sendo ele, portanto, quem nomeou José como seu ministro. Os Hicsos,
que de fato conquistaram o Egito, foram expulsos, mas os descentendes
de Israel teriam permanecido.
A Bíblia informa que os supostos
escravos israelitas teriam construído as “cidades-celeiros
de Pitom e Ramessés.” (Êxodo 1: 11), o que posiciona o
fim de sua permanência no Egito, de fato, à época dos Faraós Seti
I e Ramsés II.
E sabe-se que a cidade de Ramessés,
ou Pi Ramessés, ou ainda Per-Ramessés, realmente existiu, tendo
sido capital do Egito durante o reinado de Ramsés II.
São constatações interessantes,
que fornecem uma localização espaço-temporal para os confrontos de
Moisés com o Faraó, o que é muito bom.
Contudo, para cumprir nossa tarefa
auto-imposta de desmistificar o acontecimento, é preciso enfrentar
as contradições existentes no relato bíblico. Quais são elas?
A tradição coloca os israelitas
como escravos, embora a Bíblia3
não use a palavra “escravidão”: “Assim
que lhes fizeram amargar a vida com dura servidão,
em barro e em tijolos, e com todo o trabalho no campo; com todo o seu
serviço, em que os obrigavam com dureza.” (Êxodo
1:14)
Quando se fala em escravidão as
pessoas comumente pensam na prática lastimável que existiu no
Brasil. Mas aquele tipo de exploração não existia no Egito Antigo.
Lá as pessoas não eram consideradas objetos sem vontade, situação
que só surgiu na Grécia séculos depois.
A servidão sim, existia. Mas ela
era aplicada a quase todos os trabalhadores egípcios, em especial os
camponeses que, depois da época da colheita, até o plantio
seguinte, trabalhavam para o Faraó nas grandes obras que erguiam
desde os templos, túmulos e palácios, até os projetos de
irrigação.
Para os egípcios, que acreditavam
na necessidade de agradar os deuses e auxiliar o Faraó em sua tarefa
de manter a Ma'at (ordem cósmica - Natureza em equilíbrio), esse
trabalho talvez fosse aceitável.
Se e quando os israelitas foram incluídos nessa prática, obviamente não se agradaram, considerando que sua crença era bem diferente e sua cultura era pastoril e não agrícola nem servil.
http://www.bible.ca/archeology/bible-archeology-exodus-route-goshen-red-sea.htm |
Seguindo em nossa demanda por
desmistificar o Êxodo e defender sua ocorrência, também é preciso
rever a quantidade de israelitas que viviam no Egito à época de
Ramsés II.
Relembrando que os descendentes de
Jacó, rebatizado Israel, se estabeleceram no Egito menos de 400 anos
antes do reinado de Ramsés II, a Bíblia estabelece um número dos
que se mudaram: “Todas as
almas, pois, que procederam dos lombos de Jacó, foram
setenta almas;”
(Êxodo 1:5)
A quantidade dos que partiram,
porém, é surreal: “...partiram
os filhos de Israel de Ramessés para Sucote, cerca de seiscentos
mil a pé, somente de homens,
sem contar os meninos.”
(Êxodo 12:37).
Bem, se atribuirmos famílias a
esses homens, e se as considerarmos compostas por uma esposa e três
filhos (número bem tímido), teremos cerca de três milhões de
pessoas abandonando o Egito.
Não temos conhecimento de nenhum
país da África, do Oriente Médio, do Mediterrâneo ou da Europa,
que possuísse ao menos a metade desse número de habitantes à
época. O número é obviamente super dimenssionado. O Egito ficaria
vazio.
Por outro lado, comandando
seiscentos mil homens adultos, com um mínimo de capacidade militar,
Moisés não precisaria pedir ao Faraó para partir. Poderia tomar o
Egito para si, ou qualquer outro país da região que quisesse.4
Isso porque o país de Ramsés II,
que era talvez a maior potência militar da época, e que reunira sua
força total para a Batalha de Kadesh, contava com efetivos que não
chegavam a 50 mil soldados.
Assim, por mais que se reproduzissem, e considerando as altas taxas de mortalidade e baixa expectativa de vida da época, setenta pessoas não se transformariam em três milhões em menos de 400 anos. O mais provável é que tenham sido bem menos de 100 mil pessoas que partiram do Egito sob a liderança de Moisés.
http://pt.wahooart.com/@@/8EWRF2-Lawrence-Alma-Tadema-a-morte-de-primeiro-nascido |
A Bíblia informa que: “...
aconteceu, à meia-noite, que o Senhor feriu a todos os primogênitos
na terra do Egito, desde o primogênito de Faraó, que se sentava em
seu trono, até ao primogênito do cativo que estava no cárcere, e
todos os primogênitos dos animais.” (Êxodo
12:29)
Logo de início é preciso retirar
da cabeça a ideia de que o filho do Faraó seja, como é mostrado nos filmes, um
bebê. Como se vê acima, a Bíblia não usa a palavra “criança”,
e considerando que o primogênito será sempre o filho mais velho,
muitos dos mortos podem ter sido crianças, mas a maioria seria de
jovens e adultos.
E aqui surge uma situação
embaraçosa, pois o primogênito de Ramsés II de fato morreu antes
dele, mas já era quase velho para os padrões antigos e a causa
mortis foi bastante banal para a época.
Seu nome era Amun-herkhepeshef e sua
múmia foi encontrada na tumba KV5, no Vale dos Reis. Os estudiosos
que examinaram seus restos mortais com modernas técnicas concluíram
que:
...o
crânio de Amun-herkhepeshef apresentava as marcas de um estranho
ferimento. Os exames comprovaram que na ocasião da morte deste
homem, o primogênito de Ramsés II, sua idade oscilava por volta dos
30 anos e esse ferimento fora certamente causado em batalha, tendo
sido inclusive uma das causas da sua morte devido a uma forte
hemorragia craniana.5
https://plus.google.com/114029499980147896714/videos |
http://www.dominiosfantasticos.com.br/id485.htm |
Está certo que a Bíblia usa o
termo “ferir”, mas não se pode imaginar que Deus saísse de casa
em casa martelando as cabeças dos egípcios e de seus animais.
Uma hipótese bem plausível é a de
que alimentos enterrados (para escapar dos gafanhotos) foram
contaminados. Como os primeiros a comer eram os primogênitos, eles
morreram.6
Mas o filho do Faraó não se encaixa nesta forma de morte.
Outra possibilidade é a ocorrência
de um ataque furtivo, ou mesmo uma batalha. Bem refletido, por que
Deus precisaria que os israelitas marcassem suas portas com sangue?
Essa ação se coaduna muito mais como orientação a um grupo de
ataque que precisasse distinguir em quais casas deveriam entrar ou
não.
Por outro lado, em caso de batalha,
certamente muitos primogênitos, com seus melhores animais, podem ter
morrido e o episódio em que o exército do Faraó é colhido pelas
águas se encaixa também nessa possibilidade.
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